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Entre a fé e a ideologia: o que ‘The Chosen’ revela sobre o novo conservadorismo jovem

  • Esmeralda Donato
  • 3 de nov.
  • 3 min de leitura

"Como uma série de streaming, igrejas modernas e influenciadores religiosos moldam a fé e os valores de uma nova geração de jovens conservadores."


Nos últimos anos, The Chosen deixou de ser apenas uma série sobre Jesus para se tornar um fenômeno de engajamento entre jovens. Com estética cinematográfica, narrativa sensível e personagens humanizados, a produção traduziu a fé para a linguagem do streaming. É Jesus em 4K, com trilha envolvente e cortes dignos de TikTok. Mas sob a superfície moderna, há algo que ecoa mais fundo: a revalorização de um ideal moral rígido e a ascensão de um novo tipo de conservadorismo — agora com filtro vintage e hashtags de devoção.


O conservadorismo pop de uma geração


A série desperta identificação em uma geração que cresceu entre o cansaço das disputas políticas e o vazio do hiperconsumo. Diante da incerteza, The Chosen oferece sentido, pertencimento e pureza. Só que a linha entre espiritualidade e ideologia é tênue: o que começa como reencontro com a fé muitas vezes se converte em discurso moralista, em negação de pautas sociais e em resistência ao debate. A fé convertida em estética e, em alguns casos, em arma cultural.


Quem frequenta as chamadas “churchs de parede preta” sabe: o culto mudou de cara. O som é alto, as luzes são calculadas, o figurino é moderno, e os líderes parecem influenciadores, tudo milimetricamente pensado para gerar pertencimento e curtidas. Essas igrejas, com visual minimalista e linguagem jovem, criam um espaço onde fé e lifestyle se fundem. A mensagem é acolhedora, mas o discurso, muitas vezes, continua o mesmo: família tradicional, rejeição ao feminismo, medo da diversidade. É o cristianismo rebrandado — um rebranding de Deus para a geração Z. A estética da liberdade visual encobre o peso do controle moral.


Conservadorismo de algoritmo: quando a fé vira engajamento


O crescimento do conservadorismo entre jovens não vem do acaso. Ele é resultado de uma engrenagem que combina espiritualidade, redes sociais e desejo coletivo por estabilidade. Plataformas como TikTok e YouTube transformaram pregadores em celebridades digitais e criaram uma estética de devoção altamente compartilhável.


Nomes como Frei Gilson, Deive Leonardo e Thalles Roberto dominam os feeds com mensagens que misturam emoção, esperança e autoaperfeiçoamento. São vozes que falam sobre fé, mas também sobre comportamento, sucesso e propósito, reforçando um imaginário que valoriza disciplina e pureza como antídotos à “decadência” do mundo moderno.


Essa nova roupagem da religião aproxima, emociona e inspira, mas também pode limitar. Ao transformar o evangelho em conteúdo e a fé em performance, cria-se uma bolha de conforto que evita o questionamento. O jovem conservador sente-se moderno, conectado e iluminado, mas muitas vezes se distancia da complexidade que a própria espiritualidade propõe: o encontro com o outro, a dúvida, o debate.


Entre o símbolo e a mensagem


O fascínio pela série mostra que o conservadorismo não se comunica mais apenas com sermões ou palanques, mas com linguagem emocional e visualmente impecável. A mensagem vem embalada em storytelling, não em doutrina. E isso explica por que tantos jovens encontram em Jesus o “influencer” que representa valores de pureza, disciplina e propósito — sem perceber que essa mesma pureza pode servir para justificar exclusões.


No entanto, é importante lembrar que The Chosen não foi criada para reforçar o conservadorismo. Seu principal objetivo é apresentar a vida de Jesus de uma perspectiva histórica e humana, revelando suas fragilidades, tensões e lutas por justiça. A série busca desmitificar a figura idealizada do Cristo e aproximá-lo do real: um homem que duvida, que sente, que contesta estruturas de poder.


O problema talvez não esteja na série, mas em como parte do público a interpreta: como espelho de uma juventude que busca salvação, mas ainda tem medo de lidar com a complexidade da fé e da liberdade que ela exige.


A fé como espaço de dúvida, não de controle


No fim, The Chosen nos lembra — e o que muitos movimentos de fé parecem esquecer — que acreditar não é se blindar do mundo, mas se abrir a ele. A espiritualidade que transforma não impõe certezas: acolhe perguntas e exige reflexão sobre como viver a fé sem reproduzir apenas padrões ou expectativas alheias.


O desafio é experimentar um cristianismo autêntico, que dialogue com o mundo, aceite dúvidas e transforme a fé em consciência pessoal, e não em reflexo de normas externas.


Porque, afinal, Jesus nunca quis ser ícone de pureza, mas símbolo de humanidade — e talvez seja essa mensagem, simples e revolucionária, que muitos ainda não estão prontos para ouvir.

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